quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

As causas da abstenção

Nas últimas eleições para o Parlamento Europeu, 78% dos açorianos não considerou útil ir votar. Esta é parte da intervenção do deputado Aníbal Pires, da CDU, na Assembleia Regional sobre as causas da abstenção (ver Texto completo):


"São os partidos que têm exercido o poder neste país nos últimos trinta anos, num rotativismo aparentemente sem saída, que têm, de forma deliberada e consciente, empobrecido e esvaziado a nossa democracia.

Semeiam a decepção quando rapidamente arrumam na gaveta dos chamados “imperativos de governação” as promessas eleitorais entusiásticas.

Cultivam o desânimo quando tentam passar a ideia de que não há alternativas, apenas nuances de estilo, na governação do país, estando os portugueses eternamente condenados sempre a mais do mesmo, com actores variáveis.

Espalham o desinteresse quando se atolam na pequena política e em estéreis conflitos para encher páginas de jornais, passando ao lado da política real que o país precisa. Quando a generosidade dos dinheiros públicos parece inesgotável para salvar desastrosos e obscuros negócios bancários enquanto se mostra sempre parca, sempre escassa para ajudar os portugueses em dificuldades.

Difundem o descrédito quando a impunidade é a regra para os titulares de cargos políticos e empresariais – que aliás vão fazendo o jogo das cadeiras, rodando entre ministérios e administrações de grandes empresas –, deixando a culpa morrer sempre solteira e difusa. Escândalo atrás de escândalo, o descrédito agrava-se cada vez mais, no rasto dos casos mediáticos e dos processos em tribunal, sempre anulados, sempre arquivados, sempre esquecidos.

Propagam o desalento pela partidarização do aparelho do Estado, alimentada por uma densa teia de quadros que ocupam, designadamente por nomeação, lugares estratégicos da Administração e do aparelho do Estado, ou que beneficiam da concessão de áreas e funções nos serviços públicos, tendo por base decisões ditadas não por razões de interesse público, mas sim de favorecimento de posições e influência do partido no poder.

Avançam na subordinação do poder político ao económico, dando continuidade a um processo em que o Estado é reflexo do poder económico e, simultaneamente, agente activo na prossecução dos interesses desse poder. Procuram reconfigurar o aparelho administrativo, orientando-o para a redução de funções e responsabilidades sociais do Estado e reduzindo-o a funções de soberania, de justiça e repressivas.


A verdade, senhoras e senhores Deputados, é que o regime democrático saído da Revolução de Abril, correspondendo a uma nova realidade na sociedade portuguesa consagrada na Constituição da República, tem tido nos detentores do poder e na política de direita o seu principal inimigo e agressor.

Resultado de um longo processo de descaracterização, suportado em sucessivas revisões constitucionais e sobretudo na produção de legislação ordinária (muita dela contrariando o texto constitucional), o regime democrático, num Portugal cada vez menos soberano, apresenta-se politicamente empobrecido e desfigurado, amputado da sua dimensão social e económica originária e crescentemente asfixiado pelos grandes interesses económicos.

A evolução da vida política nacional fica marcada pelo permanente conflito de mais de três décadas entre a acção e os objectivos prosseguidos pelos sucessivos governos do PS e PSD, com ou sem o CDS-PP, e o carácter progressista e avançado do regime democrático, e da activa intervenção do poder dominante para o procurar amputar, limitar e liquidar.

A democracia, em Portugal, apresenta-se hoje crescentemente reduzida à sua dimensão meramente formal, bem distante do regime democrático que a Revolução originou e a Constituição de 1976 consagrou. Assim, perguntam os portugueses: participar para quê?”

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