sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Ponta Delgada: cidade proibida às pessoas

Ao longo das últimas décadas os carros têm invadido progressivamente o espaço urbano. As ruas foram ocupadas pelo trânsito dos veículos, e ainda pelo seu estacionamento, privando inúmeras vezes as pessoas dum espaço que é necessário e fundamental para o desenvolvimento normal da sua vida. As pessoas frequentemente são empurradas para passeios estreitos, intransitáveis e sem condições. E esta situação é ainda pior para as pessoas mais fragilizadas, como idosos, doentes, grávidas ou crianças, que em muitos lugares simplesmente estão impossibilitados de utilizar as ruas.

Os carros ocupam a maioria do espaço nas cidades. São também responsáveis por mais de 80% da contaminação atmosférica e por mais de 90% da contaminação acústica. E ainda são responsáveis cada ano por centenas de vítimas por atropelamento em Portugal. Considerando a velocidade com que os carros circulam nas cidades, a tão escassa distância das pessoas, percebe-se que ser distraído pode assim converter-se facilmente numa sentença de morte. As ruas estão, portanto, muito longe de ser o espaço de paz e convívio que deveriam ser.

A cidade de Ponta Delgada é o triste exemplo duma cidade que exclui as pessoas do espaço urbano. Nesta cidade é quase impossível andar normalmente pelas ruas. Uma quarta parte dos passeios são tão estreitos que não permitem a passagem nem sequer duma pessoa, ou às vezes simplesmente não existem. Uma parte equivalente só tem a largura suficiente para permitir a passagem duma única pessoa. Afinal, só uma quarta dos passeios da cidade tem a largura exigida pela lei (uma largura não inferior a 1,5 m.) ou têm, nalguns casos, características pedonais.

Mais informação em: http://andanteurbano.blogspot.com


O mais revoltante é que o estacionamento de carros é permitido mesmo nas ruas que têm passeios mais estreitos. Isto é, para além do espaço destinado ao trânsito dos veículos, os carros estacionados ocupam quase a totalidade do restante espaço, não deixando quase nada para os passeios. No mínimo, estes carros deveriam estar proibidos de estacionar para assim poder ampliar os passeios, cumprindo a exigência legal. O estacionamento nestas ruas resulta ainda mais absurdo considerando que existem parques de estacionamento completamente gratuitos muitas vezes a pouca distância. Os parques gratuitos da cidade têm capacidade para acolher quase todos os carros que ocupam estas ruas durante o período nocturno. E durante o período laboral, podem acolher no mínimo uma terceira parte dos carros.

A cidade de Ponta Delgada é um exemplo de como a falta de vontade política deixa piorar progressivamente a qualidade de vida das pessoas. Mas também é um exemplo do incumprimento das leis, que exigem aos municípios adequar as condições de mobilidade dos espaços públicos. O Decreto-Lei n.º 163/2006, para além de definir a largura adequada para os passeios, estabelece que todos os espaços que não cumpram as normas deverão ser adaptados até aos anos 2011 ou 2016. Após este prazo, o incumprimento das normas poderá ser sancionado, podendo levar mesmo à perda de mandato municipal. No entanto, apesar disto, as novas obras que são realizadas actualmente nas ruas de Ponta Delgada continuam a não respeitar as pessoas e a ignorar as leis.

Muito deve mudar na governação das câmaras municipais. Mas também muito deve mudar na mentalidade de muita gente para conseguir que o espaço urbano seja devolvido finalmente às pessoas. Cada vez é mais evidente que a utilização do carro particular dentro das cidades é uma forma de transporte contaminante e insustentável, responsável ainda por boa parte das emissões de carbono lançadas à atmosfera. Por tudo isto, a mudança é necessária.


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