sexta-feira, 13 de julho de 2012

Incinerando o lixo, o dinheiro e o ambiente


O governo regional e a Associação de Municípios da Ilha de São Miguel (AMISM) estão firmemente decididos, contra ventos e marés, a construir uma grande incineradora para queimar o lixo produzido pelos municípios desta ilha. Uma incineradora que, num momento de gravíssima crise das contas públicas, vai custar mais de 80 milhões de euros ao erário público – uma autêntica pechincha!

A razão que a AMISM dá para justificar este gasto exorbitante é que os aterros sanitários onde actualmente está a ser depositado o lixo estão quase cheios e é preciso encontrar uma solução alternativa para eles. Mas evidentemente a queima de lixo não é a única opção possível para reduzir o volume dos resíduos depositados no aterro. Há vários outros exemplos e soluções, entre os quais vale a pena falar aqui de dois bem próximos.

1) O primeiro exemplo é o dado pela “Unidade de Tratamento de Resíduos Urbanos” do concelho do Nordeste, único município da ilha de São Miguel que não forma parte da AMISM.

Nesta unidade, o lixo é primeiramente tratado para extrair, de forma manual, parte dos materiais recicláveis que contem (aqueles que não foram devidamente colocados nos ecopontos), conseguindo reduzir até 15% do volume total do lixo. Depois, e após um processo de higienização, é separada também grande parte da matéria orgânica existente no lixo. Esta matéria orgânica é então tratada mediante um processo de vermicompostagem (degradação pela acção de minhocas), resultando deste processo um adubo ou “húmus” que pode ser aproveitado na jardinagem e na agricultura.

Assim, esta unidade consegue reciclar até 70% do lixo indiferenciado que chega ao centro. Só uma terceira parte desse lixo, a parte restante, vai parar ao aterro, que desta forma consegue durar três vezes mais tempo.


2) O segundo exemplo é o dado pela “Unidade de Tratamento Mecânico e Biológico de Resíduos Urbanos” do concelho de Avis, em Portalegre. Este exemplo foi o recomendado pela Quercus como melhor solução para o tratamento dos resíduos da ilha de São Miguel.

Nesta unidade também são separados do lixo, de forma mecânica, os materiais recicláveis, que representam 15% do volume total. E também é separada a matéria orgânica, que depois é utilizada em diferentes processos para produzir composto para a agricultura e biogás mediante um processo de digestão anaeróbia.

Assim, a unidade consegue reciclar 52% do lixo indiferenciado. Do restante, grande parte poderá ser ainda utilizado como combustível (o denominado “combustível derivado de resíduos”). Só a décima parte restante vai necessariamente para o aterro, que desta forma poderá durar dez vezes mais tempo.


Podemos agora perguntar-nos o que faz actualmente a AMISM com o lixo indiferenciado que recolhe. E a resposta é muito simples: envia todo esse lixo para o aterro, sem procurar soluções para reduzir o seu volume. E, claro, o aterro fica rapidamente cheio. Não há portanto uma boa gestão dos resíduos nem uma verdadeira preocupação com os valores ambientais.

No entanto, a AMISM encontrou agora a forma perfeita de disfarçar a sua incompetência: vai queimar todo esse lixo, ignorando mais uma vez a presença nele de materiais recicláveis e orgânicos que poderiam e deveriam ser reutilizados. E também encontrou a desculpa perfeita para justificar a sua opção: a produção de energia mediante a queima do lixo.


Mas, é claro, a AMISM esquece dizer que no processo da incineração é produzida toda uma série de compostos químicos tóxicos e cancerígenos (dioxinas e furanos) que são lançados, pelo menos em parte (por pequena que prometam que esta seja), para o ar. E também esquece dizer que as cinzas resultantes da incineração, também extremamente perigosas e poluentes, precisam ser encaminhadas depois para um aterro especial, muito mais caro.

Também esquece dizer a AMISM que uma terceira parte do que vai ser queimado na incineradora não é lixo, senão biomassa florestal e fuelóleo, pois como é evidente o lixo indiferenciado não arde bem e precisa de muito combustível para ser queimado. E também esquece dizer que a energia obtida mediante a combustão do lixo é muito menor (de três a cinco vezes menor) do que aquela energia que seria obtida mediante o correcto aproveitamento dos materiais recicláveis que contem o lixo.

Também esquece dizer a AMISM que o volume de lixo reciclável recolhido (nos ecopontos ou porta a porta) tem vindo a aumentar e o volume de lixo indiferenciado a diminuir (o que vem ao encontro das metas europeias). E se houvesse também recolha por separado da matéria orgânica, como acontece em muitas cidades europeias, o volume do lixo indiferenciado diminuiria drasticamente.

Mas infelizmente o interesse actual do governo e da AMISM não é fazer coisas racionais ou ambientalmente correctas. A sua vontade é simplesmente privatizar toda a gestão dos resíduos da região, favorecendo os interesses privados. E tudo isto leva a que agora seja construída, com dinheiros públicos, uma caríssima, ineficiente, perigosa e obsoleta incineradora.

12 comentários:

Pedro Miguel Pereira disse...

Sou o Pedro de massamá e estive e intervi, na XIIª Convenção, falando sobre o problema da explosão demográfica. É só para dizer que o vosso blogue é aquele que apresenta as melhores propostas - excelentes sem dúvida. E, de todos os sites e blogues do nosso PEV, é aquele que sigo com mais atenção, juntamente, como o site do Partido!!! Excelente mesmo!!!

DMS disse...

Muito obrigado, Pedro.

DMS disse...

Resposta da AMISM:

"Caro D. M. Santos
Quero felicitá-lo pelo seu texto “Incinerando o lixo, o dinheiro e o ambiente”.
Fica escrita e portanto sujeita a análise a sua opinião.
Fica também demonstrado o seu desconhecimento de ciência ambiental e económica.
Quanto à incompetência da AMISM gostava de lhe dizer que deve ser mais rigoroso com as palavras que utiliza quando elas se podem dirigir contra pessoas. Lá porque não discorda com as opções dos outros não significa isso que eles sejam incompetentes.
Já lhe ocorreu que se calhar é ao contrário?
Cumprimentos e desejo-lhe um bom trabalho,
Carlos de Andrade Botelho
Administrador Delegado"

Pedro Miguel Pereira disse...

Este carlos é um ENORME INCOMPETENTE e em toda a sua PLENITUDE!!! É que está a atacar precisamente os Especialistas mais Capazes, da área, que existem, inseridos num Partido que têm AS SOLUÇÕES, não só para o país, como para o planeta - se quisermos ter alguma espécie de futuro!!! Gostaria de saber o curso que este tipo tirou - se é que têm algum - ou se também pagou por um diploma para poder dizer que tem um curso!?

aNaTureza disse...

Vou divulgar este texto!

Pedro Miguel Pereira disse...

OK - à vontade! O problema é que o país está cheio destes canalhas, vindos do ps, psd e cds, que se julgam donos do mundo e governam (mal) com toda a impunidade!!!

daniel gonçalves disse...

É óbvio que o que está em causa é ganhar-se dinheiro à custa deste assunto. E a própria palavra "administrador delegado" deixa perceber muita coisa. Incinere-se também toda noção relativamente a ciência ambiental quando se põe à frente do interesse do planeta o interesse do homem que, no fundo, é do que trata a ciência económica.

Isabel Gomes disse...

Car@s companheir@s e sr. administrador delegado - uma das formas da incompetência se manifestar é a falta de argumentação. O sr. administrador delegado, que até precisa do seu título para se fazer valer, reconhece que este é um belíssimo texto, e até compreendo porquê, porque apresenta soluções ecológicas alternativas e inteligentes, fundamentadas e imediatas. O que lhe falta compreender é que este texto não é um ataque às pessoas, mas à organização que preconiza a filosofia da má gestão ambiental, e como tal, não deve sentir-se ferido na sua integridade e competência, mas prová-la, apresentando os argumentos que fundamentam a sua noção de competência (não pessoal, mas organizacional), em vez de atacar pessoalmente o autor deste texto. Parabéns pelas propostas, D.M. Santos; e parabéns ao PEV dos Açores pela sua excelente intervenção.
Isabel Gomes, Conselheira Nacional do PEV

Pedro Miguel Pereira disse...

Tens razão Daniel - o título de administrador delegado indica existência de mais um tacho!!! E, efectivamente, o forte ataque pessoal, ao DM Santos, indica que não há argumentos contra a excelente posição, sobre o assunto, do PEV - Açores!

PS: Acrescento, só, que uma compostagem, a realizar como deve ser, deve ser feita com minhocas autóctones. Ora em portugal continental, há locais onde estão a ser usadas minhocas da califórnia!!! É absolutamente incrível a inconsciência de tal acto!!!

DMS disse...

Concordo com a Isabel. Os cidadãos e os partidos têm todo o direito de fazer crítica às instituições, o que não deve ser entendido como ataques pessoais. O problema é que quando nessas instituições não existem argumentos válidos para defender as suas opções, existe a tendência para passar ao ataque pessoal, chegando a extremos ridículos. Infelizmente não é a primeira vez que isto acontece, o Carlos Botelho já afirmou publicamente, por exemplo, que a Quercus é uma organização sem preocupações ambientais. Ele não está contra as pessoas, ele está é contra o mundo.

Em relação à falta de argumentos, também vale a pena relembrar que a discussão pública do projecto da incineradora foi realizada no mês de agosto passado, na Ribeira Grande e em horário laboral. Foi feito mesmo para ninguém poder assistir. E o pior e mais vergonhoso é que agora a AMISM anda a criticar alguns ambientalistas por não terem assistido!

E ainda recomendo a leitura do “esclarecimento” escrito pela AMISM (http://www.amism.pt/Portals/1/noticias/Resposta%20Ecoparque.pdf) para ver até que ponto são fracas as suas supostas argumentações.

DMS disse...

Pedro, é verdade que as minhocas utilizadas na vermicompostagem são minhocas da Califórnia (Eisenia phoetida), o que deve ser motivo de grande preocupação. Na central de vermicompostagem do Nordeste deram-me bastantes garantias de que, corretamente tratadas, a probabilidade delas fugirem e sobreviverem é quase inexistente. Mas acho que o melhor era investigar uma opção com espécies de minhocas nativas.

Daniel, está claro que a ciência económica deve evoluir (e muito) para evitar essa absurda oposição entre os interesses do planeta e os interesses do homem.

Pedro Miguel Pereira disse...

DMS pois... é brincar com o fogo. E temos o caso das Abelhas, que começaram a morrer em grande número, devido, curiosamente, penso, a um vírus israelita. Chegou-se a pensar que era o fim do mundo já que são elas que permitem o crescimento da maioria das plantas fundamentais à alimentação - mas o pior é que o perigo não passou e não passará, enquanto existir o capitalismo com a sua lógica de pôr, em primeiro lugar, o lucro!!!